AutoEmprego ou Desemprego – Reflexões sobre o não-empreendorismo
Objectivo
O objectivo desta reflexão é o de estabelecer um quadro compreensivo das causas do baixo nível de empreendorismo em Portugal, levantando e avançando induções, acabando com propostas concretas que penso poderiam constituir bons pontos de partida para a construção duma nova geração de empresários
[1].
[i]O Estado de Espírito
Vivemos em Portugal, e na OCDE em geral,há muito, numa sociedade de empregos seguros com a protecção e omnipresença do Estado nos momentos de crise (desemprego p.e.). Em casa, na escola, no emprego, na comunicação, no entretenimento, a maioria projectou como fórmula da felicidade, os benefícios dum emprego seguro e bem pago em detrimento da assumpção de riscos e correspondente remuneração duma vida empreendedora.
Portugal é um dos países com mais baixos índices de empreendorismo
[2] na OCDE
[3].
Para se ter uma noção muito simplificadora, enquanto no Brasil um em cada oito cidadãos está a iniciar o seu próprio negócio e na Irlanda e Japão esse número sobe para 1/100, em Portugal é seguramente superior a 1/200. A urgência desta necessidade e preocupação empreendedora é transversal na União Europeia, onde existe mesmo uma The European Charter for Small Enterprises, mas, paradoxalmente na Grã-Bretanha, há muito que Tony Blair pretende mas não consegue ensinar o empreendorismo na escola.
O emprego morreu
[4]O mundo ocidental vive uma situação complicada de emprego.
A virtualização e terciarização da economia dos países da OCDE tornam redundantes e menos núteis centenas de milhares de trabalhadores (milhões?) que anteriormente operavam nos sectores primário e secundário. Enquanto a imigração fde fora da EU, vai ocupando os postos de trabalho indesejados e tornados socialmente desprestigiantes, o Estado, o maior empregador português, simultaneamente mais tarde ou mais cedo lançará para o gigantesco e crescente contingente de desempregados mais 200 ou 300 mil a fim de cumprir um cada vez mais complicado equilíbrio orçamental e social.
A incipiente e microscópica investigação e desenvolvimento em indústrias ou serviços de ponta em Portugal tornam altamente imprevisível a criação de novos postos de trabalho, que seriam sempre, por estes motivos, em número reduzido; o IDE (investimento Directo Estrangeiro), tradicionalmente gerador de emprego estável e bem remunerado foge de Portugal para a Europa centralizada (mais educada, com melhor preparação técnica) e para os países de dimensão económica relevante ou com mercados em surgimento (Roménia, sector automóvel) ou de significativa dimensão (China); falta à actividade turística
[5] uma capacidade de auto-organização suficiente e ao meio ambiente político onde ela devia florescer uma visão e know-How que a projectem definitivamente como um dos caminhos de desenvolvimento do país (desordenamento da orla marítima, falta de grupos nacionais de dimensão relevante; falta de infra-estruturas viárias; incapacidade de criação de roteiros de turismo fora da rotina praia-escaldão-sardinhas-alcool procurados pela maior parte (embora de menor poder de compra) dos turistas que nos escolhem.
O seguro emprego do Pai
[6]A maioria das crianças em Portugal não sabe o que faz o pai
[7]. Mesmo apesar do crescente desemprego, a maioria tem do emprego uma impressão de segurança e tranquilidade e os pais tendem a protegê-los das preocupações por que eventualmente passem na gestão dos seus salários ou carreiras até uma certa idade. Esta protecção sentida pelas crianças torna-as menos propensas a um melhor conhecimento, e adjacentemente à rejeição do risco de diferentes alternativas profissionais que não impliquem a segurança e estabilidade do rendimento, mais sublinhada pelo enquadramento legislativo que até recentemente fazia, de facto, de qualquer emprego, um compromisso para a vida entre a empresa e o trabalhador.
É também na rotina quotidiana que se impõe o trabalho assalariado. As férias em calendário pré-definido, os dias de ir às compras, a hora de saída e chegada do pai a casa são estruturantes da sensação de rotina e segurança que esconde outras alternativas de subsistência que não passem por trabalho assalariado.
Na escola ou liceu não se comparam “o que o teu pai vs aquilo que fez o meu pai”, nem sequer que carreira ou posição conseguiram. Comparam-se sim os símbolos, as projecções desse sucesso, onde o carro é porventura a mais evidente sublimação.
Os jovens lêem os livros de Harry Potter (poucos), muito poucos jornais e quatro horas por dia de trash TV. Pouco informados, não conhecem as vidas de sucesso dos empreendedores, empresariais ou outros, porque os media também lhes dedicam pouco espaço e cobertura.
Não são assuntos que interessam à vampiresca classe C1, C2 e D que garante a subsistência das televisões, principalmente. Não há séries, novelas, programas de rádio, capítulos ou entrevistas em imprensa escrita, com suficiente visibilidade para mudar este estado de alma.
Não só não há, como além das boas intenções, o assunto é pouco mobilizador.
Propus nos últimos dois anos a uma estação de televisão de serviço público e a uma rádio de relevante impacto nacional a concepção de programas que creio inovadores, e rentavelmente e de evidente valor de serviço público, poderiam começar a mudar este estado deprimente. Nem resposta tive!
Neste país de oligopólios diversos continuam a ser os mesmos assuntos, os mesmos políticos, as mesmas banalidades a conquistarem um plateau de que já não necessitam.
Assim, as figuras de Belmiro de Azevedo (SONAE) ou João Carreira (Critical Software) são, surpreendentemente, pouco conhecidas. O reconhecimento de Belmiro de Azevedo junto de 100 jovens estudantes de liceus de Lisboa e Porto é muito baixo, sendo inferior a 50% a sua identificação espontânea.
Para os 38% de jovens que, espontaneamente, o referenciam correctamente, a maioria aponta estilos de vida e comportamento quotidiano que tem muito pouco a ver com a realidade. Projectam-se o empresário como “alguém que acorda tarde, passa pelas empresas para ver como é que estão as coisas e depois à tarde vai jogar golfe” (sic).
Raramente o sucesso do empresário é creditado ao seu trabalho, génio, criatividade ou capacidade de liderança. É atribuído a golpes, a heranças fáceis, à protecção de alguém poderoso ou à desonestidade simplesmente. Cerca de 62% destes jovens pensam que ou se nasce rico ou só “roubando” se chega a ser um empresário de sucesso.
Pela ignorância ou abundância, a admiração pelos empreendedores de sucesso é também muito reduzida e apenas 2 % dos alunos entrevistados defende que gostaria de vir a ser um Belmiro de Azevedo.
Os dias perdidos
Na escola, a vida das empresas e dos empresários é também ainda um conceito vago e incipiente. A vida das empresas está ausente de qualquer currículo ou aproximação pedagógica de escola primária, e no ensino secundário faz normalmente parte duma vaguíssima e teórica cadeira de Introdução à Economia ou na introdução às Contas Nacionais.
Falámos com 12 professores (acumulando mais de 200 anos de experiências profissionais em disciplinas como Português, Matemática, Economia ou Ciências da Vida e da Terra, entre outras) do ensino secundário sobre o tipo de abordagem seguida nas suas cadeiras a estes conceitos e matérias (empresas, negócios e empresários). Nenhum dos professores entrevistados alguma vez abordou estas matérias dum modo sistemático, nem mesmo marginalmente. O que acaba por ser muitas vezes abordado e servido como referencial real pedagógico é, novamente, o emprego do pai, a necessidade de se ter boas notas para se entrar na Universidade e conseguir um bom emprego.
Além de “sentirem” esta segurança à volta do emprego dos pais
[8], e do desconhecimento sobre qual a sua profissão, para além do nome, apreendem também pouco sobre a vida das empresas e dos empresários.
Na universidade, consultadas um conjunto das maiores faculdades do país com outras de forte impacto regional (UTAD pe) constatamos a inexistência também de disciplinas sobre empresas e empresários.
A Universidade Católica, polo de Lisboa, por exemplo apresenta como disciplina facultativa no 5º ano de gestão uma cadeira de Projecto Empresarial Aplicado. Em Medicina, Direito ou Engenharia o deserto é total.
Segundo Fernando Branco, Director da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais, é suficiente que as noções de empresa sejam abordadas em cadeiras de corpo teórico como Introdução ao Direito ou Microecconomia, não sendo prioridade da Universidade a criação de empreendedores.
José Tribolet e Borges Gouveia acreditam que um dos papéis nucleares das Universidades, independentemente da sua área de ensino é o desenvolvimento do empreendorismo: a criação de competências de criação do auto-emprego, tem sido assim, nos dois casos um dos eixos de acção de ambos os professores com visíveis e muito bem sucedidas ligações entre a escola e a vida dos negócios.
Entrevistados 200 alunos universitários, mais de 81% não tinha nenhuma noção do que era necessário ou como se constituía uma empresa. Apenas oito (4%) sabiam qual o capital social necessário.
Salvaguardando o contributo da ANJE, sempre limitada nos recursos, com a Academia dos Empreendedores, tem sido escasso a mediatização do tema e necessário investimento na mudança de mentalidades e enquadramento operacional. Apenas agora começamos a ver aparecerem programas universitários especificamente concentrados sobre esta temática (Pós-Graduações no ISEG e INDEG) e tardam em conseguir suficiente notoriedade as iniciativas empreendedoras (Geração Fantástica, Prémio Milénio Sagres, Prémio Empreendedor do Ano, etc)
Fim da Universidade, início do conforto
Nos seus dias de estudante, por outro lado é ainda rara a experiência do trabalho na adolescência, não havendo tomada de consciência do que é uma empresa e um empresário, por dentro. Não surge no decorrer da vida de mais de 95% dos jovens portugueses nenhum, nem sequer presencial, contacto com qualquer realidade empresarial portuguesa.
O mito do curso acabado dará assim, inevitavelmente, a este bias e consequente cedência perante as estratégias de recrutamento das grandes multinacionais. Que apoiam os job-shops, que gerem cuidadosamente expectativas e carreiras dos recém licenciados, que pagam remunerações muito acima da média que podem pagar as micro e médias empresas nacionais, e seguramente muito mais do que o salário que se fixa para si próprio a maior prte dos jovens empresários, no início da sua vida empresarial.
Por outro lado também, o escasso pé-de-meia da adolescência dá origem a uma voraz vontade de rapidamente recuperar o défice de consumo.
Um jovem licenciado, os poucos que acabam os cursos, quer rapidamente um contrato de trabalho que lhe permita sair à noite, ter um carro, viajar e até, mesmo entre os 22 e 25 anos, comprar casa.
Somos dos países europeus com maiores índices de conforto: taxas de penetração do telemóvel; maior posse de casa própria; parque automóvel mais novo.
O licenciado é impaciente para consumir, não gaba nem quer para ele a via dos empresários, que desconhece, e não quer perder a imersão do conceito de via yuppie multinacional, que antes só era possível nas três douradas do marketing (Procter, Unilever e Nestlé) hoje alargadas a muitas outras alternativas de mercado (telecomunicações, banca, retalho) e empresariais (Vodafone, Jerónimo Martins, SONAE, PT) muito bem consideradas pelos recém-licenciados.
O jovem licenciado, evolui lenta mas seguramente na sua carreira.
Vai dobrando o seu salário em cada três anos, acrescentando turbos, is e cabrios às tipologias dos seus automóveis, ganhando equipas e começando a viajar.
Dá umas entrevistas para umas revistas da especialidade e é reconhecido pelos seus pares.
Não vê à sua volta exemplos embaraçantes de sucesso empresarial na sua geração. Muito poucos atingem conforto, riqueza e projecção sócio-profissional por conta própria no mundo dos negócios antes dos 35.
Como dizia Christian Bale, em American Psycho
[9], ninguém tem melhores cartões de visita que os seus.
Com bons ginásios, créditos para tudo e alguma coisa, multas para não pagar, dívidas para não pagar, com o crédito hipotecário a 3% a compra de casa é um passo fácil para quem se quer casar. E ter filhos. E passar ao lado de qualquer vocação empresarial que como já vimos não é muito alta
[10].
A estigmatização sócio-.profissional gerada por um fracasso – falência ou despedimento – é muito mal tolerado nos países latinos e que acrescenta nos jovens receio adicional de assunção de riscos, especialmente por conta própria, onde o faz sózinho. Em Portugal quem é despedido ou leva uma empresa sua à falência é riscado do mapa. Bancos, contratadores, futuros sócios não querem mais se associar a “fracassados”.
Não é assim na cultura anglo-saxónica. Numa multinacional de grande consumo, nos anos 90, o responsável pelo lançamento dum novo detergente – que tirava tanto as nódoas que estragava a roupa - causou milhões de prejuízo pela inadequação duma fórmula que se esperava fosse a melhor do mercado. Dois anos após esse erro foi convidado para ser o número um dessa organização cargo que ocupou quase dez anos. A lógica é simples: quem errou aprendeu, não cometerá os mesmos erros, aprendeu a gerir o seu fracasso e preparou melhor a organização para que não voltem a acontecer.
Em Portugal não acertar na primeira empresa que se constitui, bem justificável, até pelas razões já apontadas é normalmente “a morte do artista”. E ninguém quer morrer cedo.
Por fim, a solidão. Trabalhar por conta própria significa passar os primeiros anos a falar consigo próprio. Até a empresa crescer e contratar quadros profissionais qualificados, socialmente inteligentes, o jovem empreendedor sente-se fora do mainstream do pensamento e reflexão económico e das tendências de gestão, sendo muito mais difícil a projecção e reconhecimento social do sucesso.
Os sobreviventes
Na escassíssima probabilidade de algum ermita reviver a esta tentativa de amolecimento assalariado, o que acontece aqueles que no fim disto tudo querem mesmo arrancar com a sua empresa?
Conheci na minha vida alguns tipos de proto-empresários:
O garanhão
Jovem, em constante necessidade de auto-reconhecimento, normalmente com background familiar sólido e protector, onde o dinheiro raramente é uma questão, com boa apresentação e fluência e que acredita ter descoberto a grande ideia da sua vida, com que acha que vai ficar rico rapidamente, sem grande esforço. Salvaguardadas algumas excepções de Direito e Medicina, estuda Economia ou Gestão na Católica, ISCTE, Nova ou FEUP.
O solitário
Proveniente de famílias de rendimentos inferiores ou ambientes domésticos intranquilos, conseguiu com dificuldade acabar o seu curso superior, e só tem uma ideia na cabeça: não vai seguir as pegadas do pai e matar-se a trabalhar toda a vida para ganhar pouco, ter pouco tempo para a família e morrer só e doente;
O pipi de Cascais
Conhece miúdas giras e sempre foi tido como o esperto do grupo. Desde cedo que faz pequenos negócios com os quais ganha dinheiro que o tornam independente e senhor do seu grupo de referência;
Mr. Scrooge
Não ficou rico a ganhar dinheiro mas sim a não o gastar. Independentemente do sector de actividade é tão rigoroso nas suas aplicações e investimentos que vive frugalmente, com absoluta ausência de riscos. Trabalha muitas horas, sobrevive em ambientes de negócios maduros e saturados.
O desesperado
Foi despedido pela terceira vez consecutiva, o seu nome torrou-se no mercado e já toda a gente lhe disse que ele não volta a arranjar emprego; depois da 45ª entrevista decidiu arrancar com aquela ideia que teve aos 13 anos e que nunca ninguém “lançou”, pensa ele;
O Prémio da Montanha
Estava na empresa na altura certa. Porque o seu chefe emigrou, porque a empresa foi vendida ou por qualquer outra razão incidental e imprevisível, juntou alguns apoios e muita coragem e tomou conta dos destinos daquela ou doutra empresa. Acredita no saber, que o que sabe, pode levar consigo, e que é capital exclusivo e escasso.
Desta riqueza de perfis menos de 1,5% das pessoas que alguma vez demonstram intenção de constituir a sua empresa alguma vez a realizam.
3.000 metros obstáculos
Capital
É preciso algum capital para investir. O problema não é normalmente o valor entre 1000 e 5000 Euros com que se pode começar qualquer empresa com quota maioritária ou não. A falta de capital crítica é o fundo de maneio que permita ao jovem empresário remunerar-se em níveis minimamente aceitáveis na fase de arranque da empresa e sobreviver à selva dos pagamentos.
Em Portugal o sistema financeiro não está feito para emprestar dinheiro a pessoas ou empresários mesmo que bem demonstrem a respectiva adequada remuneração. É mais fácil a quem tem 5 milhões de Euros conseguir um empréstimo de 50 milhões do que a quem tem 2500 Euros conseguir os 2500 que necessita para o capital social.
Fizemos uma investigação. Elaborámos o plano de investimento duma empresa perfeita: Sócios com curriculum profissional e académico impecável; ideia altamente inovadora e de forte incorporação tecnológica; cartas de intenção de compra dos seus produtos e serviços de clientes nacionais e internacionais; rápida recuperação do capital investido; TIR de 300%. Enviámos um business plan com toda a documentação (numa belíssima apresentação em 3D) para 8 empresas de capital de risco, algumas tuteladas por capital público e as maiores privadas.
Destes 8 contactos recebemos uma chamada duma delas a marcar a reunião,,..que nunca chegou a acontecer, mas não por nossa responsabilidade !!! Em todas as outras nunca conseguimos sequer estabelecer um contacto inicial: ”Sim, o Sr. Dr. Está de férias”, “Não vale a pena ligar mais, depois ligamos nós, “Já enviou a proposta?”.
O mesmo foi feito para a banca comercial da qual seleccionámos as cinco agências dos maiores bancos portugueses mais perto do escritório da empresa. Aqui nem contacto conseguimos estabelecer, apesar de entregarmos em mão um Business Plan em suporte escrito.
Tesouraria
Pagamentos de IRC por conta, IVA a pagar antes dos recebimentos de clientes, desrespeito absoluto pelos prazos combinados de pagamento quer os serviços sejam a grandes, quer pequenas e médias empresas estrangulam o funcionamento no início da vida do empresário.
Aliás, refiro aqui, exemplarmente, que enquanto o IEFP subsidia estágios profissionais num valor não menosprezável (durante 9 meses, a recém-licenciados, paga cerca de 40% do salário de 2 salários mínimos) o que permite aos pequenos empresários terem alguma capacidade de recrutamento de talento, num processo que funciona, apesar da tremenda carga documental que é necessária: não existe nenhum estímulo nem financiamento eficaz à criação do próprio emprego, pois as velhinhas ILEs (Iniciativas Locais de Emprego, que obrigam pelo menos à posse do capital social), são hoje actualmente inadequadas, de processamento administrativo complexo e moroso, e em declínio acelerado
[11]. Dos Sajes e programas congéneres nem vale a pena falar. Há casos de três anos de espera. Demoram tanto tempo e são tão complexos que todos os anos devolvemos milhões à origem (UE) de fundos não aplicados.
Infra-estruturas
A capacidade de instalar a empresa num espaço alugado é muito limitada pelas deficiências dum mercado de arrendamento, que parece que vai finalmente mudar mas onde, por enquanto, não fornece áreas aos novos empresários em condições que estes possam suportar (rendas altas, garantias bancárias, necessidade de obras, etc.). Novamente utilizando o cliente-mistério contactámos os três famosos ninhos de empresas (onde o de Lisboa, alberga, por exemplo 19 empresas) mas também os CACES, na dependência do IEFP, que dão formação e apoio técnico, normalmente pouco úteis, mas também espaço e logística, normalmente os apoios mais procurados.
Infelizmente também aqui não fomos felizes. A não ser no CACE de Sto. Tirso não há espaços disponíveis, a não ser em part-time nocturno
[12] num dos ninhos de empresas.
De qualquer dos modos deve ser dito que dois dos três ninhos e cinco dos oito CACES não chegaram a responder aos nossos pedidos. Obviamente que a “empresa” apresentava-se adaptada às exigências administrativas formais de cada CACE e ninho, com os sócios e actividade a serem locais e a respeitarem todos os critérios de admissão; também não ajudam os fornecedores incontornáveis (utilities, telecoms, redes) ainda muito longe da eficácia necessária na sociedade competitiva em que têm de triunfar os pequenos empresários.
Paciência
Quando constituí a minha primeira empresa em Portugal, fui ao primeiro Centro de Formalidades da Empresa e num dia a empresa ficou a funcionar. Este tempo acabou. O prazo de constituição tem vindo a crescer e hoje já não é possível demorar menos de um mês. Mas o prazo é bem menos importante do que o inferno administrativo e processual por que se passa. Só os mais resistentes e tenazes sobrevivem.
Desenvolvimento Comercial
Alguns motivos complicam a via do empresário em afirmação: incumprimento de prazos de pagamento (superiores a 120 dias) que liquidam algumas empresas por ano, especialmente as mal estruturadas em termos de fundo de maneio; a exigência de condições não paritárias com os fornecedores instalados (exigência de garantias bancárias, em particular); os alinhamentos institucionais ou internacionais que impedem o desenvolvimento de novos fornecedores em determinados mercados
[13], sendo estes casos mais evidentes nos mercados de consultoria onde o relatório álibi (de utilidade ex-post face às tomadas de decisão) só pode ser creditado por uma marca instalada; vejam-se também os custos de associação, onde, por exemplo pertencer à associação representativa de Estudos de Mercado, APODEMO, custa um valor incomportável para jovens empresários;
Periferia
Somos inevitavelmente um país periférico em relação à Europa e pequeno em relação ao mundo. Mercados pequenos como o nosso, que se saturam rapidamente, convidam à rápida internacionalização, em particular para os jovens empresários, tipicamente em mercados de brainware (software, pe., metodologias e processos, etc).
Esta expansão é dificultada: pela distância geográfica, menos relevante em mercados de serviços; pela falta de redes de apoio local (outros portugueses, pe); pela falta de reputação do empresário português nos mercados internacionais.
Cinco Passos para Um Portugal Empreendedor
1. Objectivo Mudança de Mentalidades
Governantes, políticos e dirigentes empresariais, públicos ou privados, demais líderes de opinião, reforçarem a preocupação e urgência da criação duma nova classe de empreendedores em Portugal, fixando uma meta ambiciosa para os próximos 10 anos “Vamos ser o pais mais empreendedor do mundo. 25% dos recém licenciados vão criar o próprio emprego, no primeiro ano após a licenciatura”
[14];
Arregimentar entidades e organismos públicos e privados (confederações de pais, editores, professores, académicos, cientistas e meios de comunicação social pe.) para esta temática, desenvolvendo instrumentos de divulgação como por livros, fascículos, concursos, seriados ou programas de entretenimento (realidade ou ficcionados) à volta da vida dos empreendedores portugueses, explicando o que é um empresário e porque existe pelo menos mais uma alternativa ao emprego assalariado; incluir jovens empresários nas comitivas da Presidência e Governo; instalar um gabinete certificador das infra-estruturas e capacidades operacionais das pequenas empresas; acrescentar integração, dignidade e visibilidade às iniciativas públicas de reconhecimento de sucesso de jovens empresários, nomeadamente as da ANJE;
2. Objectivo Preparação
Inserir nos curriculum desde a primária (no secundário e universitário seriam obrigatórios em todos os cursos incluindo Medicina e Direito) disciplinas ou segmentos curriculares à volta dos empresários, da vida das empresas, apresentando casos de sucesso e fracasso, explicando o que faz um empresário, que diferenças existem entre os dias de uns e outros, riscos envolvidos, etc..;
3. Objectivo Facilitação
Estabelecimento de protocolos entre Empresas, Grandes Empresários, Câmaras Municipais, Bancos e Ministérios adequados para a instalação de parques empresariais para jovens empresários, no centro das cidades contribuindo para a riqueza local e fixação das populações
[15]. As estadias seriam de curta duração (máximo 12 meses), feitas em regime de empréstimo com os serviços básicos centrais garantidos (recepção, sala de reuniões, recepcionista, …) e incluídos nos serviços à empresa; lançar um verdadeiro sindicato (eventualmente liderado pela CGD) de venture e seed capital, cujos fundos seriam geridos por jovens empresários, de experiência e mérito provados, onde haja capital, as decisões sejam rápidas e compreensíveis e de fácil execução administrativa, e se apoiem e estimulem iniciativas de novos empresários e não de empresários jovens; estabelecer um protocolo de respeito entre as grandes corporações e as empresas “jovens” na tentativa de cumprimento de prazos de pagamento acordados; criação de um quadro fiscal de estímulo à criação de micro empresas onde Segurança Social, IVA e IRC fossem reduzidas a valores de compromisso (entre um a cinco por cento, nos primeiros 3 anos), de acordo com o emprego, VAB e duração da empresa.
[1] Foi o Eng. Miguel Pais do Amaral, que entrevistado no Missão: Empreendorismo ironizou sobre a nossa lusitana competência de em sucessivas gerações, expulsarmos os empreendedores que poderiam mais fazer pelo país: primeiro foram os judeus que acumulavam riqueza, conheciam o valor do dinheiro, depois as ordens religiosas que abundavam em organização e método ajudando a manter a ordem social; depois os ambiciosos trabalhadores da classe média empobrecida, forçadas a emigrar; e finalmente no pós-25 de Abril, primeiro com a fuga apressada dos empresários para fora do país, depois, a partir dos 80s, com a sedimentação de relevantes talentos portugueses no exterior (Obikwelu em Madrid, Alberto Ramos em Nova Iorque, António Damásio, Júlio Pomar em Paris et al, agora até Durão Barroso…);
[2] Entendido neste projecto como a percentagem de alunos que criam a sua própria empresa nos primeiros doze meses a seguir ao fim da licenciatura por vocação e não porque não têm mais nenhuma alternativa de vida. No conceito mais convencional empreendorismo é a actividade de criar empresas, que contam para os índices nos três primeiros anos de existência, independentemente da idade ou situação profissional do empresário. Para P. Druckler empreendedor é aquele que cria algo novo, diferente; finalmente, foi Schumpeter que associou o empreendedor ao desenvolvimento económico e inovação, “às novas combinações”;
Apesar das 14489 novas empresas criadas em Portugal em 2003 e aproximarem-se das 100 o número de falidas em 2004;
[3] Informação disponível no INE, Ministério da Economia, Global Entrepreneurship Monitor 2003;
[4] Fugindo de definições académicas complexas ou de interpretações reducionistas tayloristas, entendamos emprego como uma relação parametrizada e contratualizada, de prestação de serviços dum indivíduo a uma empresa, remunerada, de média/longa duração, onde se espera do trabalhador o desempenho quotidiano de tarefas relativamente semelhantes e da empresa o pagamento desses serviços;
[5] Área económica altamente geradora de empregos, em particular nos sectores de luxo, trabalho intensivos (golfe, Hotelaria 5 estrelas, termas, EcoTurismo, Turismo histórico, cultural);
[6] Ou mãe, não é relevante para a descrição saber se trabalham mãe, pai ou os dois;
[7] Segundo o Estudo Missão Empreendorismo, 78% dos jovens com idades entre os 10 e 15 anos não é capaz de fazer uma descrição, mesmo que simplificada, das tarefas que desempenha o seu pai no emprego onde está, enquanto 91% não é capaz de o fazer em relação aos bens e serviços que a empresa produz e distribui;
[8] No que é uma ordem que passa de pai para filho. Ricardo Monteiro quanto questionado sobre porque nunca tinha seguido os seus impulsos empreendedores, dizia:” quero uma vida tranquila, sem sobressaltos como os que vi na vida do meu pai, empresário.“
[9] “American Psycho” livro de Bret Easton Ellis sobre o relevo atribuído aos sinais sócias de riqueza e poder.
No Road-Show da ANJE em que participei durante mais de 3 anos, perguntei a mais de 1800 alunos universitários “Quem quer ser empresário?”. A percentagem foi inferior a 3%. E destes 3%, 2,95% ficam-se pelas intenções, nunca chegando sequer a saber o que é necessário, formalmente, para começar.
[11] Independentemente das estatísticas, o autor expõe aqui uma opinião mais qualitativa, do feedback de candidatos a estes programas.
[12] Na altura do estudo. Num dos, ninhos havia uma sala que era disponibilizada a partir das 18h.
[13] Como referia Miguel Ângelo, vocalista dos Delfins, que tendo lançado um estúdio de gravação, nunca pensou ser tão feroz a competição das majors na captação do novo talento, libertando muito pouco espaço à diferenciação do produto e formatos.
[14] Todos os empresários entrevistados - Pais do Amaral., João Rendeiro, Belmiro de Azevedo - declararam que salvaguardadas certas condições –a sua disponibilidade e interesse em participar numa iniciativa mobilizadora do empreendorismo em Portugal.
[15] Não se trata da velha dependência dos subsídios e fundos perdidos. Como referiu João Carreira, fundador e gestor da Critical Software, que exporta know-how para gigantes da indústria mundial, “…eu não preciso de apoios. Mas espero que o Estado intervenha quando o mercado não funciona…”.
[i][i][i][i] O texto que aqui escrevo não pretende de modo algum constituir uma elaboração científica sobre o tema. Para esta redacção recorri a três fontes de inspiração e informação: a minha experiência na ANJE onde fui director nacional durante 6 anos; no âmbito do Road-Show visitei mais de 60 Liceus e Universidades em todo o país, tendo dialogado com mais de 2.000 alunos de cursos de diversos estabelecimentos públicos e privados; onde fui formador durante 6 anos da Escola do Empreendedor onde, por ano, entre 15 e 30 potenciais empresários, ambiciosos, tentavam estruturar ideias ou assumir a decisão de avançar ou não com o seu projecto; onde desenvolvi com Francisco Vanzeller e José Maria Cazal Ribeiro um projecto intitulado “Missão: Empreendorismo” sob a égide do movimento Missão Portugal, cujo sinopse foi apresentada no 7º Congresso da ANJE ao Ministro José Arnault e a muitos empresários mais atentos a esta problemática; a minha experiência de pequeno empresário[i] na qual participei directamente ou indirectamente na criação de mais de 16 empresas desde Novembro de 1997; algum trabalho de pesquisa e investigação, nomeadamente em Portugal e Moçambique no âmbito da preparação da minha tese de Mestrado em Estudos Africanos, onde estudei o problema das suas conceptualizações teóricas; e da minha participação no projecto de investigação “Empreendorismo em Angola e Moçambique” organizado pelo Centro de Estudos Africanos do ISCTE, coordenado pelo Prof. Dr. José Fialho;
Não parto de nenhuma hipótese a não ser que é possível, em Portugal, em 2004, fazer melhor; que o país precisa de estimular o aparecimento de uma nova classe empreendedora; e que o empreendorismo gera emprego, riqueza, diferenciação, competitividade, felicidade e tranquilidade. Parece pouco…